sábado, 20 de maio de 2023

literatura | B. J. A. Falcão

Maturidade

Hoje olho para além da fronteira da maturidade... Olho como um dia olhou o menino por sobre o muro da infância, sonhando com a vida adulta... Mas hoje, hoje o horizonte é outro... A estrada que esta do outro lado é curta, eu sei... E talvez por isso tenha comigo essa extrema urgência em viver e ser feliz... Uma urgência maior do que a da infância porque o tempo que resta é exíguo... Mas na contramão dessa urgência, habita em mim agora a sabedoria dos anos... Aquela sabedoria de apegar-se à simplicidade da vida e embriagar-se de felicidade nas coisas pequenas... Não há mais espaço para grandes desafios e conquistas... Digo para mim mesmo: se a estrada é curta, “curta” a estrada... Pare, observe, se encante com as miudezas... A maturidade nos dá essa condição de redimensionar nossas necessidades... Não é preciso muito... Hoje é preciso o essencial... Não há mais a busca de uma carreira, de patrimônios, de paixões avassaladoras... Hoje, o que aquieta a alma e faz sorrir o coração é desfrutar esse tempo que resta... É ter uma floreira para cuidar, um cão para passear nas caminhadas matinais e um amor amigo, companheiro... Tudo tem um outro sentido que, se não tem a mesma intensidade das descobertas, tem a compreensão do valor, adquirida ao longo dos anos... Olho para minhas flores e sei que elas precisam de água, olho para o cão e sei que ele quer um afago, olho para minha esposa e nos compreendemos perfeitamente, ainda que não digamos nada um ao outro naquele momento... Tudo se resume a tão pouco... mas esse “tão pouco” é imenso na plenitude de existir... Lembro da última visita que fiz a minha querida professora, Dona Almira.... Ela me disse: “estou com Alzheimer... Sabe o mais triste disso? É que li tanto, tantos livros, estudei tanto para saber o que sei e agora estou esquecendo tudo...” Sim. Esse é nosso destino. Aos poucos o que resta são lembranças que vão esvanecendo nessa trajetória... Memórias de quem fomos e que tem grande valor apenas para nós mesmos... O mundo segue seu curso, as pessoas seguem suas vidas e, de repente nos deparamos com o espelho – estamos sós... Chegamos sós ao mundo e assim, um dia partiremos... E de tudo que se fez e viveu, restou o aprendizado e um relicário de lembranças... O hoje, nos reconduz aos prazeres pequenos da infância e um descompromisso para com as grandes complexidades da vida... Hoje, meu projeto de vida é para hoje somente... Vou regar minhas flores, passear com meu cão e olhar para minha esposa, com todo amor e brilho nos olhos que ainda me restam... Mais que felicidade, isso é o que se chama paz... E paz, é tudo que preciso...

(B.J.A.Falcão)

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