sábado, 21 de agosto de 2010

Vera Holtz volta às origens com Candê, em 'Passione'

Vera Holtz está cada vez mais confortável com seu sincretismo de ideias. A atriz de Tatuí saiu de casa cedo para lecionar Geometria e, em seguida, estudar Teatro. Nesse período, foi sendo lapidada pela bem-sucedida carreira como atriz, começou a estudar Artes e a colecionar telas e objetos de designers premiados. No entanto, o que mais a atriz tem sentido falta é justamente do estilo de vida caipira, onde pode exercitar livremente seu sotaque interiorano. Tanto que a intérprete da divertida e simplória Candê, de “Passione”, já decidiu mudar radicalmente de vida. Vai fechar seu apartamento no Rio e se transferir para a capital paulista, onde pode ficar mais perto da família.

Aos 57 anos de idade, resolveu assumir os cabelos brancos desde que viveu a arrogante vilã Violeta, em “Três Irmãs”, em 2009, ano em que completou 20 anos de carreira na tevê, desde sua estreia como a soberana Fanny de “Que Rei Sou Eu?”, de Cassiano Gabus Mendes. “Estou me identificando muito com a Candê, com esse universo mais interno, de olhar para o umbigo, de retornar ao meu passado e relembrar minha história. Essa personagem tem mexido com raízes profundas”, avalia Vera.

P - A Candê parece trazer referências de sua família do interior de São Paulo, em Tatuí, com um sotaque caipira e uma simplicidade popular. Como tem sido?

R - Não sou mais a pessoa que saiu de Tatuí. Essa personagem tem sido quase um trabalho científico. Estudo o texto, o verbo que o Silvio (de Abreu) coloca, o tempo da fala, da linguagem. Componho essa mulher, seu ritmo, gestual, olhar. Pude retornar com meu sotaque e uma emoção de origem familiar. Mas, com o passar do tempo, tenho buscado uma identidade nacional. A Candê se encaixa nessa busca. É simpática e tem valores bastante sólidos. Gosta de viver do trabalho, é honesta, tem um perfil muito presente nessa brasilidade de gostar de conquistar as coisas. Essa mulher tem várias temperaturas e temperanças. O sucesso dela está nisso. É gostoso ver uma brasileira em cena.

P - Na composição você fez diversas visitas a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Como foi essa composição?

R - Na verdade, a verdadeira composição da Candê é de observações e vivências pelo Brasil durante um período. Quando terminei “Três Irmãs”, fui embora para Tatuí. Fiquei um bom tempo em Pereira, que é a terra da minha mãe e das minhas primas, observando o olhar, o gesto, o jeito de falar que elas têm numa cidade que tem outro tempo, outro ritmo. A Candê também me lembra muito a Pérola, personagem de grande sucesso que fiz no teatro, que também era de Bauru, ali pertinho. O alinhamento da Candê é muito confortável para mim. É gostoso voltar ao passado, para o seio familiar, até renascer e partir de uma base segura, amorosa, abrir outras porteiras.

P - Foi por isso que, após décadas morando no Rio, decidiu voltar a viver em São Paulo?

R - Foi. Estou obedecendo a uma intuição. Vou continuar com apartamento no Rio, mas vou fazer minha base em São Paulo. Não me pergunte o porquê. Raramente sigo minha intuição nesse nível de mudança geográfica (risos). Estou com vontade de ficar mais perto da minha família, das minhas irmãs. Com o passar dos anos e com a chegada da idade, fui percebendo que tenho muita carência familiar.

P - Nesse processo de interiorização, desde “Três Irmãs” você decidiu assumir os cabelos brancos. Por quê?

R - Na verdade, eu não assumo o cabelo branco, as pessoas é que assumem pintar o cabelo. É muito gostoso ver como você está. O cabelo branco tem vantagens. Ele diminui muito as sombras no rosto porque dá luminosidade. Com isso, o excesso de rugas se suaviza. Hoje as mulheres têm assumido o branco. Me encontram na rua e falam: olha a minha raiz! Já tem dois dedos de cabelo branco!. É difícil essa fase (risos). Você tem de estar bem vestida e estilosa para sustentar um cabelo branco. Os “castings” no exterior estão buscando atrizes mais naturais. As mulheres estão fazendo tantas cirurgias e ficando loiras que estão cada vez mais parecidas. Estão querendo gente normal. Não tenho nada contra, acho bonitinho até, mas não podem interferir na nossa naturalidade. Deixa a gente ser como é! Tenho direito às minhas rugas, meus cabelos brancos e minhas gorduras. Não sei se vou pintar novamente. Amanhã é outro dia.

P - Você sempre foi muito ligada à estética, desde quando dava aulas de desenho geométrico até quando começou a colecionar obras de arte e objetos de design. Esse interesse influencia de que forma na sua atuação?

R - Traz refinamento. Quanto mais você refina seu olhar e sua percepção artística, percebe melhor as diferenças. Você identifica a faixa dos personagens e dimensiona melhor. Eu tinha uma intuição muito grande, mas precisei apurar com o tempo. Fui desbravando, colecionando obras de arte. Tinha sensibilidade aguçada, mas não tinha conhecimento. Hoje o meu olhar mudou. Tenho necessidade de ver o que está acontecendo, gosto de saber quem está expondo nas galerias. Chamo atenção das pessoas para esse olhar. Não precisa ficar comprando muito. Compre uma peça. Uma chama a outra. Mas tem de ter um desejo real. O (dramaturgo Samuel) Beckett falava que os objetos têm vida própria. Você entra num outro canal de percepção.

P - Você também utiliza essa sensibilidade para levar suas personagens, mesmo as vilãs, um pouco para a comédia?

R - Ah, coloco um tempero mesmo. É quase uma química. A personagem tem de ser humana e inteligente. Quando é uma vilã, precisa possuir uma sedução absurda, senão ninguém acredita e a mata antes da hora. Todo mundo tem todos os lados, a não ser que seja muito infeliz.

P - Por que suas personagens, mesmo não sendo protagonistas, costumam ganhar destaque nas histórias?

R - Não tenho essa percepção, mas já ouvi isso de algumas pessoas. O que faço é construir personagens muito humanizadas. Pelo fato de estar com um papel num outro eixo da novela, tenho um tempo maior de elaboração das minhas cenas, consigo estudar. Não preciso dessa ansiedade de estar no núcleo principal. Também vou avançando em função disso.

P - Isso tem acontecido com a Candê desde que ela revelou que não era mãe da Fátima, da Bianca Bin. Como você define este momento da personagem?

R - Ela está cada vez mais solta e à vontade. Com relação à filha Felícia (de Larissa Maciel) e a neta Fátima, era um conflito e tanto na vida dela não falar a verdade, que havia criado a neta como filha. Ela não falava porque não admitia passar por mentirosa. Imagina a menina saber que a mãe mentiu a vida inteira para ela e que era sua avó? A Felícia só tinha 14 anos quando teve o bebê. A Candê assumiu porque a filha implorou. Olha o impasse dessa mulher que é do bem, que não admite mentir e gosta de ajudar as pessoas? No entanto, o que mais tem me emocionado nessa terceira novela com o Silvio de Abreu tem sido conviver com um elenco com Fernanda Montenegro, Cleide Yáconis, Elias Gleiser e Leonardo Villar. É uma geração que viveu o grande momento do teatro brasileiro nas décadas de 50 e 60. São virtuosos esculpidos pelo tempo. A arte precisa desse tempo para ser maturada, é aquele papo meu de voltar às origens, de se enxergar e renascer. (Por Mariana Trigo - TV Press)
Foto: Maria Luíza Dantas/CZN

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