sexta-feira, 30 de julho de 2021

Mutilação do nariz feita pelo 'Caveira' pode causar infecções

Fernando Franco de Oliveira, o Caveira de Tatuí, que detém o título de homem mais tatuado do Brasil, já fez várias modificações corporais, como tatuar os olhos e afinar os dentes. Médicos alertam pra os riscos que esses procedimentos podem trazer à saúde.

Por Júlia Nunes e Pâmela Ramos, no G1, com edição do DT


"Caveira" começou a fazer tatuagens em 2014 e hoje tem o corpo todo tatuado (Tatuí) — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

29/07/2021 | Apesar de serem curiosas, as modificações extremas oferecem riscos à saúde, segundo especialistas. Cortar parte do nariz, como fez o homem "Caveira", em Tatuí, e o Diabão, de Praia Grande (SP), é um procedimento que pode causar infecções e até atrair moscas se não houver o cuidado necessário.

Conhecido como "Caveira", o homem que já ganhou o título de mais tatuado do Brasil tem 99% do corpo tatuado e várias modificações corporais.

Na lista, estão: dentes de vampiro, olhos tatuados, orelhas de orc, língua bifurcada e vários implantes de chifres. Recentemente, Fernando Franco de Oliveira também cortou o nariz para ficar parecido com uma caveira.

Michel Praddo, o homem conhecido como "Diabão", também já fez várias modificações corporais, incluindo a remoção do dedo anelar, em um projeto para deixar a mão mais parecida com uma garra, e o uso de uma dentadura de prata, que contém presas laterais.

Ao G1, o médico de Sorocaba (SP) e otorrino especialista em nariz, João Swensson, explicou que essa parte do corpo é responsável por aquecer e filtrar o ar que entra nos pulmões. Quando não há essa proteção, a pessoa fica mais propensa a contaminações.

"Ele perde a proteção. Se um dia tiver um resfriado e estiver dormindo, pode entrar uma mosca no nariz. A garganta também fica exposta. Se retirarmos o primeiro filtro que nós temos da respiração, esse ar vai chegar da maneira que ele entrou e impactar o pulmão, podendo acarretar problemas crônicos", explica.

Tatuador explica transformações que fez para virar o 'Caveira' de Tatuí

O médico também detalhou que as pessoas produzem, por dia, de um litro e meio a dois de secreção nasal. Essa secreção também serve de proteção, já que acumula as impurezas do ar.

"A secreção desce para a garganta e a gente engole. Tem bactéria, vírus e a própria secreção já faz um bloqueio. Se ele estiver exposto a poluição, pode ter problemas como um tabagista a longo prazo. Ele vai ficar suscetível a infecção nasal e vai produzir secreções que podem atrair insetos e moscas."

Já o cirurgião plástico de Sorocaba Arthur Barros contou que esse corte no nariz não pode ser realizado por um médico, pois é considerado uma mutilação.

"Por mais que uma pessoa solicite, um médico não pode fazer uma remoção dessa forma. Isso infringe o código de ética médica, é uma lesão corporal, não pode ser feito por um profissional médico" afirma Arthur.

Além do nariz mutilado, o Caveira também tem as orelhas cortadas como a de um orc, uma criatura deformada que aparece nos contos de fantasia medieval.

Para o otorrino, uma mutilação pode desencadear uma hemorragia intensa e gerar complicações. Após o corte no nariz, Swensson explicou que a pessoa não terá mais uma vida comum e precisará se dedicar com os cuidados de higiene na área exposta.

"Tem artérias e nervos nessa região. Um procedimento assim pode provocar uma complicação mais séria. A pessoa que faz esse procedimento e não é médico não pode receitar um antibiótico. É uma área aberta muito grande, fica com cartilagem exposta, osso. Leva meses para curar", explica.

Olhos tatuados

Morador de Tatuí tem 99% do corpo tatuado — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Além do nariz e orelhas mutiladas, o Caveira também preencheu a parte branca dos olhos com uma tinta preta, com um rapaz que trabalha com piercing em São Paulo.

O oftalmologista Márcio Luís Miranda, de Tatuí, fez um alerta ao G1 de que qualquer procedimento no olho precisa ser feito com um médico especialista, já que mexe com partes do corpo muito sensíveis.

“Eu fico imaginando que eles injetaram algum tipo de tinta, um corante na parte da conjuntiva do olho, mas se inadvertidamente isso é aplicado numa estrutura vizinha a que eles estão querendo, o resultado pode ser perda da visão. É muito grave. Ele está caminhando na beira do abismo e, qualquer escorregadinha, pode ter a perda da visão.”

Antes de ser tatuador, Fernando era soldador em Tatuí — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Além disso, o médico explicou que os pigmentos podem causar reações alérgicas e inflamatórias caso não seja utilizado o produto correto.

“Eu não sei o corante que ele usou, mas tem algumas áreas da oftalmologia que você pode fazer o uso de algum tipo de corante, mas que são usados e já são imediatamente retirados”, explica.

Dentes de vampiro e língua bifurcada

A lista das modificações corporais é extensa, e o Caveira também tem dentes de vampiro e a língua bifurcada, procedimentos que também podem causar uma série de problemas, de acordo com a dentista Júlia Freitas, de Itapetininga (SP).

Para fazer os dentes, o tatuador contou que teve que desgastar os dentes da frente e colocar uma prótese, mas disse que os dentes do fundo não foram alterados.

Fernando Franco já fez uma série de modificações corporais em Tatuí — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

A profissional Júlia Freitas contou ao G1 que a maior preocupação da prótese seria relacionada à mastigação, mas como os dentes do fundo não foram alterados, o Caveira relata que consegue triturar os alimentos normalmente.

No entanto, conforme a dentista, o desgaste excessivo dos dentes pode prejudicar o paciente e a prótese pode ser tóxica caso não tenha sido feita com um material adequado.

“O desgaste excessivo, que perde parte do esmalte, prejudica a raiz, a gengiva e a musculação. Afeta a parte funcional do dente, dependendo do quanto desgastou. E se a prótese não for feita com um material adequado, pode ser tóxica. Tem que ser feita em laboratório”, explica.

Já a língua bifurcada, segundo a especialista, pode prejudicar a fala, a deglutição e que o paciente sinta o gosto dos alimentos. Além disso, o procedimento pode causar problemas caso o material do corte não esteja esterilizado.

Chifres e pele tatuada

Morador de Tatuí mutilou orelhas e nariz — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Para completar a lista de modificações corporais do Caveira, o tatuador tem 99% do corpo tatuado, com exceção das solas dos pés.

Além disso, o morador de Tatuí conta com implantes nos braços e quatro “chifres”, sempre feitos com pessoas que atuam como modificadores corporais. Para a dermatologista Lucia Laura Haidar, os implantes definitivos podem causar granulomas e inflamações.

“Como não é feito em um ambiente esterilizado, em um ambiente ambulatorial, tem risco maior de infecção. Para ser implante definitivo, o organismo faz um granuloma e aquilo só é retirado cirurgicamente”, explica.

Fernando, de Tatuí (SP), ganhou título de homem mais tatuado do Brasil — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Já em relação às tatuagens, a médica explica que o único problema que ela costuma ver no consultório é o arrependimento dos pacientes. Segundo ela, algumas tatuagens podem ser retiradas com laser, mas seria praticamente impossível fazer o procedimento no corpo todo.

“Como é injetado na pele em si, não tem muito problema, a única coisa é o arrependimento que acontece demais. Hoje ele tem uma idade, mas muitas pessoas depois envelhecem e aparecem para retirar uma tatuagem que não tem mais nada a ver com ela”, conta.

Homem ‘comum’

Apesar da aparência “incomum”, Fernando disse que leva uma vida normal no interior de São Paulo. Ele é casado há 25 anos e a mulher não tem nenhuma tatuagem. O casal não tem filhos.

Antes de ser tatuador, o morador de Tatuí trabalhava como soldador, mas sofreu um acidente de trabalho e se aposentou. Segundo Fernando, ele machucou o ombro no serviço e as sequelas permitem que ele trabalhe apenas como PCD (Pessoas com Deficiência).

Fernando Franco, de Tatuí, começou a fazer tatuagens aos 14 anos — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Desde então, ele passou a trabalhar como tatuador e montou o estúdio. Ele contou ao G1 que o espaço ficou aberto nos primeiros meses da pandemia de coronavírus, mas foi fechado depois que o próprio “Caveira” contraiu a doença.

Na época, ele disse que ficou traumatizado com os sintomas da Covid e, agora, pretende reabrir o estúdio em agosto pois já está imunizado com as duas doses da vacina.

'Caveira' toma vacina contra a Covid-19 em Tatuí — Foto: Fernando Franco/Arquivo pessoal

Para o tatuador, as tatuagens e modificações corporais são apenas expressões artísticas, e não têm a ver com crenças e religiões. Ele disse ainda que não bebe, não fuma ou usa drogas.

“A maioria pede para tirar foto quando me vê na rua, mas o resto fica falando que é o ‘satanás’. Mas a pessoa tem que ser julgada por dentro, não por fora, isso não tem nada a ver.”

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