terça-feira, 30 de junho de 2020

érika almeida | Convite a reflexões sobre as condições sociais do Covid-19

COLUNA PRÁXIS

Érika Almeida
 
Em tempos modernos, vivemos um paradoxo que nos remete tempos bíblicos através das pragas. Mesmo depois de toda a revolução industrial, nos vemos limitados a ir nem que seja até a cidade vizinha para visitar alguém, comprar alguma coisa, passear em algum lugar. Perdeu-se o propósito.

Descobrimos, no entanto, que vivemos bem sem aderir àquela promoção doida de calçados sem casacos novos da coleção anterior que agora estariam em promoção, sem a obrigatoriedade de sair todos os finais de semana, sem estocar papel higiênico.

Conhecemos melhor nossos familiares, os gostos e peculiaridades de cada um, as predileções de matérias escolares dos nossos filhos, as crises existenciais dos professores, as aflições divididas à mesa no jantar, os empregos perdidos (de acordo com o IBGE, 10,07% da população), os pequenos luxos e privilégios do capitalismo tomados de cada um. Debatemos melhor a distribuição de renda, quando ela nos é tomada.

Percebam que até o momento, relatei o quadro de uma família que teve a oportunidade de ficar em casa, uma família que se ama, uma família que não tem histórico de abuso, violência, aparentemente de classe média, que com um auxilio ou outro, tem condições de sorrir todos os dias e viver uma normalidade em meio ao caos.

No entanto, infelizmente, esse quadro não representa a maioria dos lares brasileiros, da classe trabalhadora, que faz de tudo pra agradar o patrão e seguir com sua renda. Diaristas, ambulantes e trabalhadores autônomos, seguem uma normalidade de condução, de exposição, de falta de escolhas.

A informalidade empregatícia também ganhou espaço, pessoas estão aprendendo a vender seus talentos com lives solidárias aos artistas, artesanatos, costura e culinária, aprendendo mais sobre os serviços de divulgação e entrega, mas não a humanizar o entregador.

Entregadores chegam a ficar 14 horas expostos nas ruas para que a classe privilegiada possa cumprir seu isolamento, de maneira bastante duvidosa. Não voltam pra casa na hora do almoço – imagina o tempo que levaria todo o processo de higienização para ter mais uma refeição com a família? Isso significaria menos horas trabalhando, isso não é uma opção.

Estão encurralados entre o ganha pão, à exposição pessoal e familiar ao novo coronavírus, ao julgamento social e as precárias condições de trabalho, tudo isso pra que sua compra online chegue dentro do prazo, pra que aquele lanche gostoso chegue sem alface murcha, pra que a pizza chegue quentinha, com o queijo derretendo.

O capitalismo vence, mais uma vez, no processo de desumanização do indivíduo através de seus meios de propagação da importância do ter, mas a economia não pode quebrar, pode?

Érika Almeida é jornalista e cantora

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