sexta-feira, 30 de março de 2012

Justiça condena usina de Tatuí por trabalho escravo

Cortadores de cana ganham R$ 2 milhões em indenização e verbas rescisórias.

A Justiça do Trabalho condenou, nesta quinta-feira (29/3), uma usina de Tatuí (SP) a pagar R$ 2 milhões em indenização por danos morais mais verbas rescisórias a 19 ex-trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão – cada um deve receber pelo menos R$ 110 mil. A empresa condenada, a multinacional Comanche Biocombustíveis de Santa Anita, que tem como slogan “energia limpa a favor do planeta”, pode recorrer da decisão.

“Infelizmente a submissão de trabalhadores a condição análoga à escrava tem se tornado frequente no Estado de São Paulo. São poucos os casos que chegam ao Judiciário, que tem o poder de inibir a prática condenando os que assim procedem ao pagamento pelos danos sofridos”, afirma a advogada Danila Manfré Nogueira Borges, de Ribeirão Preto, que representou na ação coletiva os 19 cortadores de cana. “O dano moral, além de ressarcir o trabalhador, tem caráter punitivo e pedagógico, ou seja, é um fator de desestímulo à perpetração da conduta”, acrescenta.

Em 2009, fiscais do Ministério do Trabalho flagraram esses e mais 130 trabalhadores nordestinos contratados pela usina morando em uma antiga igreja no município de Capela do Alto (distante 23 km de Tatuí) sem mínimas condições de conforto e higiene. No local não havia colchão – apenas finas espumas empoeiradas – nem banheiro suficiente para tantos homens, que se amontoavam numa média de 20 por cômodo. Embora pagassem do próprio bolso por alimentação, limpeza e lavanderia – R$ 170 cada por mês -, o serviço oferecido era precário ou, muitas vezes, inexistente.

Água potável era outro problema. Apenas 50 litros gelados eram disponibilizados diariamente para cerca de 150 trabalhadores, o que gerava disputa e fazia com que alguns acordassem no meio da madrugada para encher seu reservatório. As condições de segurança também não eram respeitadas, tendo alguns trabalhadores de usar luvas rasgadas para o corte da cana, por falta de reposição do material pela empresa.

Conforme a ação, a usina também foi omissa com relação à saúde de seus colaboradores. Um caso de hanseníase foi oculto, enquanto dois trabalhadores que haviam recentemente doado um de seus rins foram inadvertidamente habilitados ao trabalho braçal.

Após a inspeção, o Ministério do Trabalho interditou o alojamento, o que obrigou à suspensão imediata do contrato dos trabalhadores. A usina concordou então em pagar R$ 1.050 a cada cortador, além de passagem para a cidade de origem e alimentação durante a viagem – direitos como 13˚ salário e FGTS foram ignorados. A empresa, porém, só cumpriu o acordo com um número mínimo de trabalhadores, ficando os demais obrigados a permanecerem na cidade por falta de condições financeiras de retornar para casa.

Para a advogada Danila Manfré Nogueira Borges, a situação se configura como escravidão contemporânea. “Atualmente, o que se entende por esse regime de trabalho é a ausência de condições mínimas que preservem a dignidade da pessoa humana, ou seja, todos atos que ferem os mais profundos sentimentos dos valores de moralidade, decência e respeito humano.”

A situação em que os trabalhadores foram encontrados é bem diferente da proposta na ocasião da contratação, três anos atrás, quando representantes da usina foram até o Piauí arregimentar mão de obra.

Com a promessa de oferecer moradia, alimentação, transporte, limpeza e serviço de lavanderia, exibiram um vídeo motivador que mostrava um alojamento com instalações confortáveis, dentro dos padrões sanitários, e equipamentos para resfriamento de água.

Os trabalhadores que aceitassem vir para São Paulo também teriam direito a opções de lazer, como um campo de futebol e mesas de sinuca. O convite foi tão atraente que 150 homens decidiram migrar em busca de um futuro promissor.

Criado há dez anos, o escritório Danila Manfré Nogueira Borges e Associados é especializado em causas trabalhistas e previdenciárias. A proprietária Danila conta que foi atraída à área jurídica pela possibilidade de assegurar os direitos dos cidadãos, mas que com o exercício da profissão descobriu que falta às pessoas não só o conhecimento de seus direitos, mas a efetiva certeza de que serão respeitados. Atuar em causas sociais como essa, garantindo esses direitos é, segundo ela, “uma vitória recebida com imensa alegria, que dá esperança de viver em um país digno que repudia a ofensa à dignidade da pessoa humana”.

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