sábado, 17 de junho de 2023

Justiça determina que paciente com doença rara receba tratamento que custa R$ 400 mil: '8 anos de dor'

Decisão é de quinta-feira (15), da 1ª Vara Civil de Tatuí. Jovem trata da doença porfiria aguda intermitente desde 2016.

Por Beatriz Pereira*, g1 Itapetininga e Região, com edição do DT

Luiz Felipe foi diagnosticado com porfiria aguda intermitente em 2016 — Foto: Elaine Machado/Arquivo pessoal


17/06/2023  | A Justiça determinou que o Governo do Estado distribua de forma gratuita medicamentos avaliados em R$ 400 mil para um paciente de Tatuí (SP) que sofre de uma doença genética que afeta o fígado. A decisão é de quinta-feira (15), da 1ª Vara Civil da cidade. Há determinação de multa em caso de descumprimento.

Na decisão, a juíza Danielle de Menezes Kanawaty considera que o laudo apresentado pela defesa do jovem Luiz Felipe de Jesus, de 24 anos, atesta a imprescindibilidade do medicamento e que se trata de emergência médica.

"A incapacidade financeira se presume, diante dos benefícios da gratuidade da Justiça ora deferidos, bem assim, do elevado custo do tratamento. Por fim, como visto, a Instrução Normativa número 01 da Anvisa, de 28 de fevereiro de 2014, permite a importação em caráter excepcional do produto. Isto posto, entendo presentes os requisitos do mencionado tema (...), bem como, evidenciada a gravidade da patologia e de sua possível evolução clínica (...)", afirma.

A medida determina que a Fazenda Pública forneça o medicamento hemina (panhematina) ao jovem, na dosagem prescrita no receituário, dentro do prazo de 10 dias corridos. Em caso de descumprimento, há previsão de pena de multa de R$ 5 mil por dia, que pode aumentar em caso de descumprimento.

Drama

Luiz Felipe de Jesus foi diagnosticado com porfiria aguda intermitente (PAI), doença genética que se dá a partir da falta de produção de um enzima no fígado. Os sintomas da doença apareceram quando ainda tinha 16 anos.

Ao g1, a mãe de Luiz Felipe, Elaine Machado contou que, em 2016, um dos exames do filho foi encaminhado para um laboratório especializado em análise metabólica em Atlanta, nos Estados Unidos. Porém, somente em 2022 o diagnóstico de PAI foi comprovado.

"Ele foi laudado com carta médica, em 2022, mas sempre soubemos que realmente era porfiria. [...] Este doença é muito ingrata, muito sofrida e humilhante para quem tem. Você mal consegue um diagnóstico, mal consegue um tratamento", comenta Eliane.

Durante estes anos que enfrenta a doença, Luiz sofre com crises de dor e convulsões. De acordo com a mãe, essas crises fazem com que ele precise ficar internado de três a cinco vezes por ano. Atualmente, ele é atendido por um hospital particular de Sorocaba (SP).

As dores que o jovem sente são intensas e tratadas com medicamentos fortes, como a morfina, que já lhe causou complicações, como trombose. Ele fica limitado a ponto de não conseguir andar e precisar de fisioterapia quando tem alta do hospital.

Em duas das internações, Luiz Felipe correu risco de perder a vida e precisou de doses do medicamento hemina, que corrige a deficiência no fígado de pacientes com PAI. Porém, o remédio, como demostrado na ação judicial, tem alto custo.

O plano de saúde do rapaz conseguiu arcar com o valor na primeira crise, em outubro de 2022. Na segunda solicitação, em janeiro de 2023, o medicamento foi aplicado, mas o valor de R$ 400 mil foi cobrado da família de Luiz Felipe, que está em dívida com o hospital.

Desde o dia 24 de maio deste ano, Luiz está internado na mesma condição grave que nos meses anteriores. Ele precisa de sete doses de hemina pela terceira vez e a família não tem condições de pagar pelo medicamento.

De acordo com a Agência Brasil, estima-se que a doença atinge menos de cinco pessoas a cada 10 mil. O diagnóstico é difícil e geralmente tardio, já que os sintomas são semelhantes aos de outras doenças.

Ainda conforme a Agência Brasil, a medicação que Luiz precisa não é fabricada no Brasil.

Luiz Felipe tem crises de dor e de convulsões com frequência — Foto: Elaine Machado/Arquivo pessoal


Liminar

E foi com a esperança de conseguir as doses do medicamento para o filho, mais uma vez, que Elaine decidiu apresentar o pedido à Justiça.

"O plano de saúde e o hospital se negou a pagar o medicamento. Já fazem 18 dias que ele está internado, só tratando com analgésicos pra dor. O estado de saúde dele é grave, ele está com água no pulmão", explica.

A ação tramita na Justiça desde segunda-feira (12), no Fórum de Tatuí. "Chega de tanta humilhação, sofrimento, tantas picadas [de agulhas]. Ele tem apenas 24 anos, não consigo entender o que isto [doença] significa", acrescenta

O pedido que solicitou com urgência o fornecimento da medicação a Luiz foi feito de acordo com os termos dos laudos e receituários médicos.

O g1 entrou em contato com a Secretaria de Saúde para saber os tramites a partir de agora, mas não obteve resposta até a conclusão desta reportagem.

Luiz Felipe precisa de 7 doses de hemina para tratar a porfiria aguda intermitente — Foto: Elaine Machado/Arquivo pessoal


Vida social interrompida

Quando está fora do hospital, Luiz tenta ter uma vida normal. Ele trabalha como ajudante geral em um ferro-velho de Tatuí e tem uma filha de oito meses.

Luiz Felipe estava internado quando a filha nasceu em outubro de 2022 — Foto: Elaine Machado/Arquivo pessoal


Os momentos de confraternização em família e no trabalho acabam sendo interrompidos quando o rapaz entra em crise e precisa ficar internado em Sorocaba.

"Ele tenta ter uma vida normal, mas, infelizmente, não pode. Não pode com o sol, com esforço físico, não pode com esforço mental também. O nervo desencadeia a doença, o esforço desencadeia a doença", explica a mãe.

Em outubro do ano passado, durante a primeira crise que Luiz necessitou tomar doses de hemina, ele perdeu o nascimento da filha. Internado, acompanhou apenas por chamadas de vídeo no celular.

Luiz trabalha como ajudante geral em um ferro-velho de Tatuí  — Foto: Elaine Machado/Arquivo pessoal


"Se completaram oito anos desta dor, de humilhação, de busca, oito anos que ele sofre. É uma doença muito ingrata, poucos médicos conhecem e querem tratar, está muito difícil", finaliza Elaine.

*Colaborou sob supervisão de Marcel Scinocca

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