domingo, 14 de novembro de 2010

História do Conservatório de Tatuí - 3

3. Expansão

Coelho dirigiu o Conservatório de Tatuí por 15 anos. Logo que assumiu, conseguiu convencer a classe política local a ceder o prédio onde funcionava a Câmara e a Biblioteca Municipal para que a escola tivesse melhores acomodações. O prédio foi cedido em comodato para o Estado de São Paulo pelo aluguel simbólico de Cr$1 ao mês.

Em 1969, a instituição vai para o novo endereço e o número de alunos dobra, chegando aos 600. Foi também na gestão de Coelho que foi construído, ao longo de dez anos, o Teatro Procópio Ferreira. Com anteprojeto de Nelson Marcondes do Amaral Filho e projeto arquitetônico de Otávio Guedes de Moraes, o teatro tem 437 lugares, amplo palco (18 metros de boca de cena e 12 de profundidade) e fosso para orquestra. Sua infra-estrutura inclui iluminação, sistema de som e equipamento para as mais variadas apresentações como óperas, balés, peças teatrais e concertos sinfônicos – para os quais sua acústica foi especialmente projetada.
Atualmente, o teatro conta também com um hall e o Espaço Cultural “Mário Covas”, uma extensão projetada para exposições e pequenas apresentações que antecedem os espetáculos.
Outra das realizações do mesmo diretor foi consolidar a posição da escola tanto entre os governantes como entre a comunidade musical. Coelho também conseguiu que o governador sancionasse um novo regulamento para a casa em 1972.
Além dessas conquistas, foi um período de doações importantes: em 1976, o Conservatório ganha uma importante contribuição do empresário José Mindlin, que doa uma enorme quantidade de instrumentos para a escola, fazendo com que esta passasse a ser conhecida como a “maior da América do Sul”. E, em 1981, o empresário Wanderley Bocchi cede um extenso terreno onde hoje está construído o alojamento da escola.
O professor de percussão Javier Calvino, um dos mais antigos nomes do Conservatório, recorda outra contribuição do diretor Coelho, esta relacionada à qualidade do ensino. Em 1974, Calvino era percussionista do Teatro Municipal de São Paulo quando foi chamado para ir “a uma cidadezinha, trabalhar num Conservatório”. “Quando cheguei o Conservatório de Tatuí era ainda uma escolinha, só havia a armação do teatro e o prédio dos pianos. (...) Lembro-me bem de um dia no final de 1974 em que fui chamado para ser banca de alunos. Foi um horror geral. Na sala de exames um menino tocando trompa não sabia fazer nada, e o professor o aprovou. Eu não concordei, dei nota zero, começou uma discussão entre os professores. Disse que não estava lá para brincar e chamaram o diretor [Coelho]. Ele chegou e expliquei o que acontecia. Ele ficou abalado, chamou alguns dos meninos e pediu para que tocassem. Viu que era tudo um desastre e cancelou todos os exames daquele ano. Houve uma reunião com o corpo docente, e a partir de então as coisas começaram a mudar. Creio que foi uma mudança moral, e a partir daí houve uma mudança de qualidade. Coincidentemente, nessa mesma época o Conservatório começou a crescer muito”, recorda-se.
Foi Javier Calvino quem iniciou efetivamente o curso de percussão no Conservatório de Tatuí, a partir de meados da década de 1970. Ele conta que, com 21 anos, foi o mais jovem professor contratado pela casa. “No começo eu tinha cinco alunos que já estavam aqui há anos mas aprendiam por curiosidade, pois a escola havia tido professores de percussão apenas por breves períodos”, conta. 
A partir de sua atuação, a área de percussão da escola passou a ganhar cada vez mais visibilidade e reconhecimento, e foi responsável por formar profissionais que hoje atuam nas grandes orquestras brasileiras e no exterior, como Rui Carvalho e Eduardo Gianesella. A excelência do trabalho de percussão em Tatuí é fácil de ser mensurada. Em 2008, dos 12 alunos que cursavam percussão na Unesp, oito eram egressos do Conservatório.
“Em 1975 fundei o primeiro grupo de percussão em Tatuí, provavelmente o mais antigo do Brasil ainda em atividade”, orgulha-se Calvino.
Ainda na gestão de Coelho, foi implantado outro importante curso, o de luteria. Enzo Bertelli, liutaio italiano de grande prestígio radicado em São Paulo, aceitou o desafio de, ao lado de seu filho Luigi, criar um inédito curso de construção de instrumentos de cordas no Brasil. Luigi Bertelli, que permaneceu até 2008 à frente da iniciativa pioneira, conta que em 1980 tinha terminado o terceiro ano do curso de luteria no Istituto Professionale Internazionale Artigianato Liutario e del Legno de Cremona, na Itália, e estava em férias no Brasil. “Foi então que surgiu a idéia de montarmos o curso. Instalamos as ferramentas e máquinas, eu voltei para a Itália e meu pai começou a ministrá-lo em Tatuí. Diplomei-me em Cremona em 1981 e comecei a dar aulas aqui no conservatório duas vezes por semana, além de ter meu ateliê em São Paulo”, conta. O curso visava, segundo seu ante-projeto, “o desenvolvimento da importantíssima arte e técnica da fabricação, reparação e manutenção de instrumentos de arco no Estado, nos moldes da mais famosa e tradicional escola do mundo”.

As aulas iniciaram-se com oito alunos e a intenção de se construir 32 violinos, 16 violas, oito violoncelos e quatro contrabaixos. Além do ensino da fabricação de instrumentos aos alunos, os liutaios desenvolveram uma importante pesquisa para a utilização de madeiras nacionais na construção das peças.
Em 1983, o Conservatório de Tatuí solicitou ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) uma pesquisa que determinasse que madeiras brasileiras estariam aptas a substituir as européias na construção de instrumentos musicais da família do violino. A partir da comparação de propriedades anatômicas, físico-mecânicas e acústicas, chegou-se a uma lista de 10 madeiras com grande potencialidade para substituir as européias. As pesquisas foram subsidiadas pela Funarte numa espécie de parceria, conforme explica Luigi: “A Funarte precisava de instrumentos, então ela nos doava a madeira e nós doávamos os instrumentos. Foi uma ótima parceria pois, além de construir, os alunos precisavam de madeira para praticar, para errar. Dessa forma conseguimos muito material e com ele fizemos diversos instrumentos. A partir dessa pesquisa pudemos passar a fabricar instrumentos de nível bastante bom e viáveis economicamente para nosso mercado. Esse tipo de instrumento, se produzido em larga escala, poderia preencher uma lacuna no nicho de instrumentos intermediários. Pois um aluno de violino, por exemplo, pode começar com um instrumento chinês de R$ 300 ou R$ 400. O problema é que quando ele precisa de um melhor, o importado custa R$ 8 mil; daí muitos desistem. Com a madeira nacional conseguimos fazer um instrumento que substitua esse e custe entre R$ 2 e R$ 3 mil”.
Atualmente o curso de luteria é ministrado por Izaias Batista de Oliveira e Wlamir Ramos. Com duração de quatro anos, mescla conteúdo teórico e prática. As turmas são divididas em dois tipos: iniciantes, com aulas uma vez por semana, e avançado, com três aulas semanais e direito a uma bolsa de estudos. “Temos alunos de vários estados do Brasil, a maioria deles sai daqui e entra para o mercado de trabalho em suas cidades. Quase todos os liutaios que trabalham hoje no mercado brasileiro saíram de Tatuí”, afirma Oliveira.
Quando José Coelho de Almeida deixou o cargo, assumiu a direção Hans Joachin Koellreutter, já célebre em todo o Brasil como professor e personalidade musical. Ao transferir-se para Tatuí, Koellreutter e alguns professores que com ele vieram procuraram instituir uma metodologia que vinha sendo aplicada pelo educador em outras instituições, como a Escola de Música da Bahia e a Escola Livre de Música em São Paulo. Esta tinha como ponto de partida uma educação musical humanística e ampla, que não se limitasse a ensinamentos técnicos. Na prática, uma das mudanças propostas por Koellreutter era a abolição do currículo pré-estabelecido. O programa de ensino dos alunos deveria levar em conta sua situação social, profissional, intelectual e mental. Assim, seria mais particularizado, feito especialmente para cada turma.
Seria mantido, no entanto, um “currículo mínimo”, compreendendo, segundo o próprio Koellreutter, “composição, estética e análise como matérias principais, e outras básicas: teoria elementar, quer dizer, semiótica musical. Composição deveria ser individual e não em grupo, diferentemente de improvisação”. Outra mudança seria a eliminação das provas regulares.
Yara Caznok, que durante o período esteve seis meses em Tatuí ministrando aulas, conta que a receptividade dos alunos foi ótima, mas os antigos docentes da escola viam as mudanças com bastante receio. “A idéia de Koellreutter era modernizar o Conservatório de Tatuí, tirar dele a idéia do tradicional pelo tradicional. Segundo ele, a tradição é formada por inovações, portanto ser novo nada mais é do que seguir a tradição” afirma. O próprio Koellreutter, no entanto, afirmou que a abolição do currículo acadêmico trouxe inúmeros problemas sob o ponto de vista administrativo. Portanto a experiência, embora rica e estimulante, não foi bem aceita por grande parcela da comunidade do Conservatório. Na verdade, a oposição extrapolou os limites da instituição e gerou fortes protestos que acabaram por inviabilizar a permanência do compositor na direção da casa.
Assim, no início de 1984, Koellreutter é sucedido pelo maestro Antonio Carlos Neves Campos, outro que ficaria à frente da instituição por longos anos, até 2008.
Na gestão de Campos teve prosseguimento o processo de expansão do Conservatório de Tatuí, seja em sua estrutura física – com o surgimento de diversos anexos –, seja no número total de alunos ou na quantidade de cursos. Tatuí consolidou sua fama como importante centro formador de músicos, com relevância não só no Estado de São Paulo, mas em todo o Brasil. Quando Neves Campos deixou de desempenhar o mais alto cargo da instituição, em março de 2008 (embora tenha permanecido na escola até o mês de outubro do mesmo ano), o Conservatório de Tatuí contava com cerca de 200 professores, perto de 3 mil alunos, um prédio principal e cinco anexos, perto de 30 diferentes cursos e dezenas de conjuntos artísticos e pedagógicos entre orquestras, bandas e pequenos grupos. (Em 1999, a escola chegou ao impressionante número de 3,8 mil alunos matriculados, mas quedas subseqüentes fizeram com que se estabilizasse em próximo de 3 mil.) 
Foi ainda sob a direção de Antonio Carlos Neves Campos que a administração do Conservatório de Tatuí deixou de ser diretamente subordinada ao Estado e passou a ser gerenciada por uma Organização Social da Cultura (OS). A OS Associação de Amigos do Conservatório de Tatuí (AACT) – e, depois SOART (Sociedade Artística e Cultural de Tatuí) - originou-se a partir da Associação de Pais e Mestres (APM) da casa, criada em 1981. Em 2006, quando a Secretaria de Estado da Cultura decidiu modificar a forma de gestão da escola, optou-se por credenciar a APM como uma OS. Esta modificou seu estatuto e criou um conselho, transformando-se na AACT.
O ano de 2006 também marcou a inauguração de um pólo do Conservatório de Tatuí em São José do Rio Pardo, cidade localizada ao norte do Estado e com cerca de 50 mil habitantes. A empreitada, única extensão do Conservatório no Estado, foi iniciativa do maestro Agenor Ribeiro Netto, responsável direto pelo bom funcionamento da casa. Atualmente, o pólo avançado de São José do Rio Pardo atende a mais de 200 alunos vindo de 27 municípios da região, incluindo alguns do sul de Minas Gerais. São oferecidos cursos de violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta, clarinete, clarone, saxofone, trompete, trombone, trompa, tuba, eufônio e percussão.

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