segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Gravadora Experimental da Fatec Tatuí lança artistas independentes

Curso de Produção Fonográfica oferece equipamentos e pessoal capacitado para gravação e distribuição de músicas l Foto: Lucas Meneguette

09/09/2019 | “Macumba de apartamento” é o nome do single, videoclipe e show lançados pela cantora, compositora e produtora cultural sorocabana Ananda Jacques há cerca de um mês. O conceito de diálogo entre o tradicional e o afrofuturismo (estética que combina elementos de ficção científica com cultura afro), rural e urbano, dos rituais que compõem as rotinas e relações deve nortear todas as faixas do próximo trabalho da artista, ainda sem título definido.

As gravações do restante do material começam nesta semana, na Gravadora Experimental da Faculdade de Tecnologia do Estado (Fatec) Tatuí. “Quero incluir mais elementos eletrônicos”, comenta Ananda. “Com a estrutura da Fatec vou conseguir equilibrar melhor essa mistura de ritmos de origem africana com música urbana.”

A estrutura à qual a cantora se refere foi criada a partir do Núcleo de Técnicas de Gravação, que atende ao curso superior tecnológico de Produção Fonográfica da Fatec e está contribuindo para que artistas independentes consigam viabilizar a distribuição de álbuns e canções de forma autônoma.

Gravadora Experimental

Por meio da Gravadora Experimental, estudantes e professores da faculdade oferecem gratuitamente equipamentos e pessoal capacitado indispensáveis ao processo de produção de canções e álbuns. Isso inclui desde a arregimentação de músicos, ensaios, escolha de repertório até disponibilização dos fonogramas em plataforma streaming.

“O desenvolvimento de um produto fonográfico começa na seleção de um artista em potencial, o aperfeiçoamento dele e de suas ideias, até a finalização e acompanhamento do lançamento do álbum”, explica o coordenador do curso, José Pires Júnior. “Durante alguns anos, nós gravávamos os fonogramas, entregávamos para o artista e não acompanhávamos mais. Com o projeto da gravadora, isso mudou.”

Depois de prontos, os direitos dos álbuns são doados formalmente e disponibilizados sem custo para os autores na CD Baby, uma das maiores distribuidoras online de música independente do mundo. “Nossa contrapartida é pedagógica. Mesmo que um artista contrate um produtor para supervisionar o trabalho, nossos alunos sempre atuam na parte prática do projeto sob a supervisão de um professor do curso. Além disso, todas as gravações em nosso estúdio são abertas aos estudantes.”

Para Ananda, a gravadora ajuda o artista a criar raízes, uma vez que não é mais necessário mudar para São Paulo ou Rio de Janeiro, sede das antigas multinacionais da indústria fonográfica. “É uma espécie de centro de apoio para artistas independentes da região. Tanto os professores quanto os alunos têm muitas iniciativas legais que nos dão oportunidade de permanecer mais perto do nosso público.”

Novos tempos

O processo de digitalização da música começou em meados da década de 1980 dentro dos estúdios, com introdução de instrumentos e outros equipamentos digitais para gravação, mixagem e masterização, procedimentos analógicos até então. Já no início do século 21, a popularização da internet e a possibilidade do compartilhamento de arquivos digitais transformou completamente a configuração do mercado fonográfico.

A fabricação e distribuição de álbuns e canções deixou de ser exclusividade das gravadoras transnacionais, uma vez que tais processos não exigiam mais a obrigatoriedade de um suporte físico, fosse o long play (LP) ou, posteriormente, o compact disc (CD).

Se por um lado houve democratização dos processos, por outro diminuiu a possibilidade de artistas serem contratados pelas gravadoras e contarem com a estrutura de grandes companhias responsáveis pela gravação, divulgação e distribuição dos produtos fonográficos.

De certa forma, na maior parte dos casos, músicos, cantores e bandas passaram a ser também empreendedores e gestores das próprias carreiras. Além de comporem e executarem suas canções, agora se preocupam com divulgação e distribuição de seus produtos por meio de plataformas digitais.

Parcerias

Um dos artistas que utilizaram a estrutura da Fatec foi o angolano radicado no Brasil Pupa Kanda. Acompanhado por sua banda AfroSom, ele estreou com o álbum Ngungu Njila (Imigrantes) no final do primeiro semestre. “A Gravadora Experimental foi fundamental. Estou no Brasil há quase 20 anos, já participei de incontáveis gravações, mas só agora consegui lançar material próprio.”

“Escolhemos o projeto de um artista que tinha um trabalho todo planejado na cabeça, uma banda que o acompanhava, mas não conseguia recursos para colocar o disco em prática”, afirma Pires Júnior. “Além da viabilidade técnica, no processo de seleção sempre levamos em consideração as condições que o artista tem de se tornar autossustentável. No caso do Pupa, executamos o projeto todo, até os shows de lançamento e o auxiliamos com consultorias administrativas.”

Outro álbum gravado nos estúdios da Fatec Tatuí foi Atemporal, do Grupo Dedo de Moça, com releituras para clássicos do samba e do choro em formação camerística – violino e violoncelo, juntamente com os tradicionais cavaquinho, flauta e violão de sete cordas.

Formado pelas musicistas Ana Claudia Cesar, Ana Elisa Colomar, Cintia Zanco e Rosana Bergamasco, o grupo também contou com uma mulher no comando do estúdio. Mariana Souza, que terminou o curso de Produção Fonográfica em agosto de 2018, foi a primeira aluna a ser responsável pela engenharia de áudio de um álbum na Gravadora Experimental. “Existe um incentivo muito legal dos professores da Fatec para que alunos tenham interesse em atividades independentes da grade do curso”, diz Mariana, que hoje presta serviço para produtoras de áudio e vídeo na Capital e Região Metropolitana de São Paulo.

“É proveitoso para todos quando o pessoal mescla a dinâmica acadêmica com a socialização de conhecimentos, ideias e habilidades”, reforça Pupa Kanda.

Para 2020, além do trabalho de Ananda Jacques, que está previsto para o primeiro semestre, a gravadora tem previsão de lançar um álbum com canções de Noel Rosa, em comemoração aos 110 anos do compositor carioca e dos 10 anos do curso de Produção Fonográfica.

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