sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Ministro tatuiano Celso de Mello explica liminar de Lewandowski

A VOZ DO DECANO
Ministro Celso de Mello explica liminar de Lewandowski

Por Márcio Chaer

Ao responder que a Constituição Federal não confere ao Conselho Nacional de Justiça poderes para quebrar sigilo bancário ou fiscal, o ministro Ricardo Lewandowski apenas reproduziu a sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito da matéria. Quem garante é o decano do STF, ministro Celso de Mello — ele mesmo relator de casos pioneiros em que esse entendimento foi assentado. Um exemplo recente é o Agravo Regimental em Mandado de Segurança 27.148.

Para mostrar a idade desse entendimento, o ministro cita o Mandado de Segurança 23.851/DF, relatado por ele em 26 setembro de 2001, aprovado por unanimidade quando se determinou que "a quebra de sigilo não pode ser utilizada como instrumento de devassa indiscriminada, sob pena de ofensa à garantia constitucional da intimidade. A quebra de sigilo, para legitimar-se em face do sistema jurídico-constitucional brasileiro, necessita apoiar-se em decisão revestida de fundamentação adequada, que encontra apoio concreto em suporte fático idôneo, sob pena de invalidade do ato estatal que a decreta. A ruptura da esfera de intimidade de qualquer pessoa — quando ausente hipótese configuradora de causa provável — revela-se incompatível com o modelo consagrado na Constituição da República, pois a quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes".

Compenetrado, rigoroso, o ministro é a antítese do corporativismo. Defensor fervoroso da fiscalização e responsabilização de juízes que praticam desvios ou atos de improbidade, Celso de Mello, ao tomar posse na presidência do STF, em 1997, chocou a comunidade ao defender a ideia radical de que todos os juízes brasileiros deveriam se sujeitar a processo de impeachment, como ocorre com os ministros do STF. Mas ser a favor do CNJ não significa que se deve admitir ao Conselho o que a Constituição não autoriza, frisa ele.

"Há um grande consenso nesse sentido", afirma: "A jurisprudência do STF nega a qualquer autoridade pública, quando no exercício de função administrativa, a possibilidade de decretar quebra de sigilo bancário e ou fiscal". Por ser órgão administrativo, o CNJ jamais teve o poder reservado a magistrados em funções jurisdicionais. E até mesmo para o juiz há regras. Sem motivo claro e fundamentação a ordem é nula. A norma, lembra Celso de Mello, já foi intensamente aplicada para conter Comissões Parlamentares de Inquéritos e em casos de abusos do Poder Público, em que se tentou iniciar investigações pela quebra de sigilo.

Celso de Mello ressalva que a proteção do sigilo bancário não significa restrição ao poder de investigar nem limita o poder de investigação do estado, já que o estado dispõe de meios para requerer a juízes e tribunais que ordenem às instituições financeiras a informação dos fatos. Essas regras constitucionais que proclamam direitos e garantias estão protegidas por cláusulas pétreas.

Para o ministro, a decisão de Lewandowski não só se mostra plenamente fiel à jurisprudência do STF, como traduz o exercício concreto da correta aplicação do texto constitucional. O que o STF faz, explica, é restaurar a ordem jurídica muitas vezes transgredida por excesso de poder quando é exercido ultra vires (além dos limites da competência). Para reforçar a tese, o ministro lembra duas outras decisões do plenário, que favoreceram o TJ-MA em que o CNJ atuou fora de sua esfera de poder. Negar essa realidade, diz, é contestar que "estamos todos subordinados à autoridade hierárquica da Constituição Federal". Como exemplo de citação técnica adequada, Celso de Mello destaca o artigo recentemente publicado neste site pelo professor Pierpaolo Bottini. "Abordagem corretíssima", enfatizou.

Por fim, o decano do STF, lembrou os votos dos ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski no sentido de reforçar os poderes do CNJ, como órgão de controle administrativo do Judiciário — em contraste com as críticas de que ambos sejam contrários à fiscalização do Conselho. Cezar Peluso foi o relator da ADI 3.367, no julgamento que rejeitou o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Emenda que instituiu e disciplinou o CNJ; enquanto Lewandowski não apenas ratificou a Resolução do Conselho que baniu o nepotismo do Judiciário, como a estendeu aos demais poderes da República.

Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2011

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