sábado, 16 de janeiro de 2021

Jovem que trabalhava em mercado no Congonhal é chamado por multinacional de tecnologia.

Rodrigo Nascimento foi seis vezes medalhista na Olimpíada Brasileira de Matemática e agora, pelo Projeto Meu Futuro Digital, trabalha na multinacional GFT, em Sorocaba

Um plano digital para o Brasil

Projeto Meu Futuro Digital reúne empresas e instituições para fomentar a formação qualificada e dobrar o número de profissionais e o PIB do setor tecnológico no PAÍS em oito anos.

SÍMBOLO Medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática, o jovem Rodrigo Nascimento trabalhava em mercado antes de ser chamado para atuar em multinacional de tecnologia. (Crédito: Claudio Gatti )

Beto Silva, no site IstoÉ com edição do DT

15/01/21 | Jamais subestime a capacidade e o talento do empacotador do supermercado. Ele pode ser um gênio da matemática. Essa é uma pequena lição da história de Rodrigo Nascimento, conhecido pela comunidade do bairro Congonhal, na zona rural de Tatuí. Simpático, às vezes tímido, atendia no caixa e passava as compras dos clientes, guardava os produtos nas sacolas, fazia reposição dos itens nas prateleiras, ajudava no setor de açougue e de padaria do estabelecimento. Era um faz-tudo, com jornada de 12 horas diárias e remuneração mensal de um salário mínimo. O garoto chamava a atenção pela vasta cabeleira lisa, que já se estende pelas costas, e pela educação exemplar. Quando não estava no mercado, ajudava sua mãe, uma faxineira, solteira, a cuidar dos dois irmãos mais novos em casa, em Capela do Alto, onde mora.

No pouco tempo que lhe sobrava, estudava para o vestibular. O gosto pelos estudos era tão grande que levava livros e cadernos para o trabalho para ler nos momentos de menor movimento. A comunidade local conhecia Rodrigo pelo seu empenho no mercado, onde esteve durante o ano de 2019, em uma atividade que lhe foi oferecida por um parente para ajudar na renda familiar. Mas não sabiam que aquele garoto, então com 19 anos, era seis vezes medalhista da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, em que anualmente participam 18 milhões de estudantes de todo o País. Rodrigo foi vice-campeão em 2011, 2012, 2014 e 2015 e primeiro colocado em 2013 e 2016. Um talento em preciosa pedra bruta, encontrado pelo projeto Meu Futuro Digital para ser, enfim, lapidado.

IDEALIZADOR Presidente da GFT para América Latina e Estados Unidos, Marco Santos lidera o projeto que visa fortalecer o setor de TI brasileiro. (Crédito: Claudio Gatti )

A partir de uma pesquisa dos idealizadores do programa sobre onde estariam os destaques da Olimpíada, chegaram a Rodrigo pelo perfil dele no Facebook. Em mensagem privada, convidaram-no para uma reunião, em uma das sedes da GFT Technologies, em Sorocaba. Foi apresentado ao projeto Meu Futuro Digital e chamado para um estágio na companhia. Antes, teria de fazer um treinamento no escritório da empresa em Alphaville, bairro nobre de Barueri, município da Grande São Paulo. Sem condições financeiras, pediu dinheiro emprestado para o primo para se deslocar e pagar o aluguel de uma pensão no primeiro mês, em janeiro de 2020. Ficou lá até março, quando começou a pandemia. Na sequência, continuou o aperfeiçoamento em home office. Hoje, pouco mais de um ano depois de sair do mercadinho, Rodrigo Nascimento faz estágio na GFT, multinacional de origem alemã, onde trabalha em projeto de programação computacional para melhoria do sistema logístico de uma empresa de óleo dos Estados Unidos. “Foi a maior oportunidade que já tive na vida. Saí do Ensino Médio (em 2017), todo mundo via que estava me destacando, mas ninguém deu oportunidade”, afirmou o jovem de 21 anos. “Ainda existem pessoas até melhores do que eu que poderiam estar ajudando o desenvolvimento do Brasil e do mundo e não têm um caminho para seguir”, disse em tom crítico e, ao mesmo tempo, com a consciência de quem sabe que poderia ser mais um diamante com vocação e habilidade para tecnologia a ficar perdido e desvalorizado em algum lugar do subterrâneo da economia brasileira.

Rodrigo Nascimento é um personagem emblemático do Meu Futuro Digital, um movimento iniciado em 2019 e formalizado em fevereiro do ano passado, que reúne mais de 60 empresas, entidades e instituições de ensino. Grandes companhias têm deixado a rivalidade e a concorrência de lado para darem as mãos e levar o programa adiante, como Imed, Avanade, Oracle, Stefanini, Mar Capital, Salesforce, Cubo Itaú e a própria GFT, em parceria com a Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom). O ecossistema visa colocar em prática um plano digital para o Brasil, para acelerar a inclusão, formação, mentoria e emprego de alta renda no setor de tecnologia a jovens e profissionais nas áreas que compõem o chamado Stem (Science, Technology, Engineering and Mathematics).

O objetivo é fazer esse setor crescer exponencialmente, ao duplicar de 1,5 milhão para 3 milhões o número de profissionais em 8 anos, e também dobrar, no mesmo período, o PIB de TI brasileiro, de R$ 250 bilhões para R$ 500 bilhões anuais. “Sem esse movimento, vamos demorar 20 anos para alcançar esses números. Levando em conta o impacto indireto nas cadeias produtivas, podemos chegar a R$ 1 trilhão no PIB anual do setor”, afirmou Marco Santos, fundador do Meu Futuro Digital e presidente da GFT Technologies para América Latina e que recentemente foi alçada ao comando também da operação da companhia nos Estados Unidos. “Estamos absorvendo diversos desses talentos, buscando novos sotaques, mais inclusão e mais diversidade. Isso é o que chamamos de fazer a tecnologia acontecer e de torná-la mais humana, diferenciando-a da racionalidade exata a qual normalmente é associada”, disse Fábio Hasegawa, general manager da Avanade Brasil, uma das patrocinadoras do programa. O Grupo Stefanini, outro financiador e apoiador da iniciativa, está com processo seletivo para jovens de 18 a 24 anos em Campina Grande, na Paraíba, onde a multinacional conta com um polo de tecnologia.

CONEXÃO O projeto atua em várias frentes. A principal delas é conectar todos os atores, para que o setor gire em sintonia, como uma música bem tocada de uma orquestra. É uma ação para corrigir um erro histórico da área tecnológica, principalmente de falta de coordenação e de fragmentação. O governo federal, que deveria estar à frente de um plano estratégico para unir todas as pontas do processo, é sempre coadjuvante. Não há uma liderança pública, por exemplo, para conduzir um trabalho de elo entre empresas, escolas e universidades, para acertar a afinação entre a demanda do mercado e a formação de mão de obra. Pelo lado da iniciativa privada, existem muitas organizações que atuam na formação e na captação de talentos, iniciativas importantes, mas isoladas e em benefício próprio. E na outra extremidade estão as instituições de ensino, que oferecem cursos muitas vezes ultrapassados ou fora do contexto da necessidade do mercado.

FUNK Para popularizar o interesse do jovem da periferia no setor de tecnologia, o produtor musical KondZilla foi chamado para fazer uma música com letra sobre o projeto Meu Futuro Digital. (Crédito:Danilo Verpa)

Como resultado, uma série de problemas como mão de obra inflacionada, alta rotatividade e perda de contratos. “Na ponta final, as companhias começam a não entregar projetos para clientes e os clientes não entregam seus produtos e serviços para o consumidor final. Cria-se uma roda negativa”, disse Santos, ao ressaltar que o Meu Futuro Digital veio para fazer esse papel de conexão entre esses polos desconexos.

ABISMO Para se ter ideia do descompasso entre formação e demanda do mercado de TI, as áreas de Negócios, Administração e Direito lideram o número de ingressantes de cursos de graduação no Brasil, segundo dados do Ministério da Educação e do IBGE. Nesses ramos, em 2019, ingressaram 58 pessoas para cada 10 mil habitantes. Na segunda colocação de cursos mais procurados estão os ligados à Educação, como Pedagogia. Os setores de Saúde e Bem-Estar, Engenharia, Produção e Construção vêm na sequência. A formação em Computação e Tecnologia da Informação está na quinta posição, com oito pessoas ingressantes para cada 10 mil habitantes, sendo que apenas duas concluem os cursos.

A base dos números se mantém parecida nos anos anteriores, enquanto o mercado de trabalho abre cada vez mais vagas no setor tecnológico. “O mercado de TI é rico em oportunidades, mas faltam profissionais qualificados para as vagas disponíveis. Com essa parceria junto ao Meu Futuro Digital, vamos ajudar a melhorar este cenário”, afirmou Afonso Acauan, diretor de estratégia da Yaman, uma das principais consultorias em engenharia e qualidade software. Segundo a Abrasscom, até 2024 serão 450 mil postos de trabalho abertos sem serem preenchidos. Essa estimativa feita antes da pandemia deve ser revista para mais, já que houve aceleração digital nesse período. “Não podemos mais ter uma ideologia educacional generalista, em que a pessoa não sabe o que fazer e se matricula em Administração ou Direito. Temos de fazer igual Singapura e China estão fazendo. Não sabe o que fazer? Faz TI. Esse é o futuro”, disse Santos.

A GFT, comandada por Santos, é um exemplo de crescimento exponencial. A empresa começou as atividades no Brasil há quase 10 anos com 80 funcionários e nenhum contrato local. Os serviços eram exportados principalmente para países europeus. Hoje, são cerca de 1,6 mil colaboradores no País, do total de 6 mil em 15 nações do globo. E cerca de 50 grandes clientes, como Serasa Experian, B3, Febraban, Banco Central, Via Varejo e Banco Original, onde foi elaborado o primeiro projeto no Brasil de abertura de conta corrente 100% digital, em 2016. Atualmente são dezenas de vagas abertas. “Começamos a contratar bastante no Nordeste e no Sul e interior dos estados. Alcançamos talentos que estavam em trabalho mais modestos e conseguimos dar oportunidade de trabalhar em grandes projetos nacionais e internacionais”, disse o executivo. Rodrigo Nascimento é só um deles.

PERIFERIAS No Brasil são milhares de joias como Rodrigo Nascimento. Em parceria com o Ministério das Cidades, o Meu Futuro Digital cruzou dados do Bolsa Família e da Olimpíada Brasileira de Matemática. Descobriu-se que 1,2 mil finalistas tinham como única renda familiar o benefício do governo. “Qual o futuro que damos para essas famílias”, questionou Marco Santos, que vai fechar o balanço de um ano do projeto no mês que vem.

Até agora, 100 mil jovens foram impactados pelas iniciativas de divulgação, treinamento e contratação. As informações sobre o movimento disseminadas em maior quantidade e com mais qualidade visam fisgar os adolescentes da periferia para ingressarem no setor tecnológico. Nesse sentido, uma das ações é a composição de um funk pelo produtor musical KondZilla e interpretado pela cantora Yasminnie. A letra fala sobre o projeto Meu Futuro Digital. A música será divulgada em breve para despertar nas comunidades os que têm talento para o setor tecnológico, mas estão escondidos. Como Rodrigo. “Educação é o caminho para mudar de vida”, disse o ex-empacotador do mercadinho de Tatuí que passou em primeiro lugar no vestibular do Curso de Ciência da Computação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR).

Divulgação

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