domingo, 3 de outubro de 2010

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Discurso de Posse de  Beatriz Virginia Camarinha Castilho Pinto na Cadeira nº 31  -  Patrono: Paulo Setúbal - na Academia de Letras de São João da Boa Vista, 20/06/98


Sra. Presidenta / Srs. Acadêmicos / Prezados Convidados

Para mim, que nunca fui senão uma professora de literatura, não poderia haver honra maior do que essa que os Srs. Acadêmicos me concedem, de participar desta ilustre Casa. E a grande noite da minha carreira no mundo das letras.

Sinto-me feliz em entrar para esta comunidade literária, que me recebe tão generosamente.

A cada um dos senhores agradeço a confiança que em mim depositam. Trabalharei com as limitações próprias de minha mediania, mas com a grandeza - sem limites — de meus ideais.

Idealista e semeador de cultura também foi meu patrono, o escritor Paulo Setúbal.

Mas, para o leitor contemporâneo, quem é Paulo Setúbal?

As novas gerações não o conhecem, esquecido que ele é pelos livros didáticos e pela dita "grande literatura".

Alguns talvez o conheçam como o pai do banqueiro Olavo Egydio Setubal, d0 Banco Itaú, que mantém uma bela propriedade na vizinha Águas da Prata. Provavelmente pensarão que era mais um ricaço d0 inicio do século, que, como deleite, cultivava a literatura. Nada disso. Sua vida foi árdua — e ele próprio 0 conta com orgulho.

No entanto, 0s leitores mais experientes, certamente o conhecem; Setubal foi, ao lado de Monteiro Lobato, o escritor mais vendido entre os anos 1920 e 50. Quase um milhão de exemplares vendidos e traduzidos. Informou e divertiu gerações. Traçarei um breve perfil de sua vida e de sua obra.

Paulo Setubal nasce em Tatuí em 1893. Aos quatro amos perde 0 pai. A mãe liquida o armazém da família e descobre que pouco resta da antiga abundancia. O garoto vê-se obrigado a estudar na escola publica, onde convive com os humildes e aprende -— confessa ele - a proveitosa lição de "desde cedo a conhecer a vida como ela é".

A conselho de amigos, a mãe vende 0 pouco que lhe resta e, "só com sua coragem", muda-se para S50 Paulo com os nove filhos.

Terminando com brilhantismo o colégio dos irmãos maristas, o garoto de 17 anos presta exame para 0 Curso de Direito do Largo de São Francisco, ingressando já no 2° ano. Concilia a Faculdade com dois empregos de professor. Busca trabalho na imprensa, como critico literário, mas é admitido como simples revisor de gramática. Logo, um poema seu é publicado com destaque na 1ª pagina do jornal e ele é convidado para 0 sonhado cargo de redator.

A gloria, entretanto, dura pouco. Poucas horas. De madrugada, voltando de uma comemoração com os amigos, sente—se mal. Vem o diagnóstico "Você esta um pouco trace do pulmão". Era a tuberculose, na época uma sentença de morte.

Paulo Setubal vê-se obrigado a refugiar-se no campo — a Tatuí da sua infância e Campos do Jordão. O garoto volta a ser poeta, sua alma cabocla reacende—se, como dizem estes versos:

"Como um caboclo bem rude,
Eu vivo aqui, nesta paz,
Recuperando a saúde,
Que eu esbanjei, quando pude,
Nas tonteiras de rapaz. "

De volta a São Paulo, retoma os estudos. Forma-se aos 22 anos, assumindo o cargo de promotor publico na Capital. Audaz, enfrenta os advogados mais graduados do Estado. Logo abre seu próprio escritório: tem sucesso, dinheiro, posição social.

Em 1920, Paulo Setubal publica seu primeiro livro, chamado exatamente Alma Cabocla.

Seus versos melodiosos, seu ritmo fácil e sua linguagem simples fazem dele um grande sucesso $50 3.000 volumes esgotados em um mês. Muitos dos senhores provavelmente se recordem destes versos:

"Dos lábios que me beijaram,,
 Dos braços que me abraçaram,
Já não me lembro, nem sei...
São tantas que me amaram!
São tantas as que eu amei?

Mas tu - que rude contraste! -
Tu, que jamais me beijaste.,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nestalma, ficaste,
De todas as que eu amei... ”

Apesar do sucesso estrondoso do primeiro livro, passa cinco anos sem escrever. Nesse ínterim, casa-se com "um anjo” (e assim que ele se refere a esposa) da alta sociedade paulistana, Francisca de Souza Aranha.

Sobre esse período revela: ‘°Pus-me somente a estudar o passado brasileiro. Eu achei naquelas empoeiradas paginas da nossa Historia graça tão saborosa que, reaparecendo em publico, trazia nas mãos o romance A Marquesa de Santos. Desde então, sem parar, comecei a publicar livros históricos’. São dez, entre l925 e 1935.

E saborosa sua linguagem ao contar e primeira noite de D. Pedro com a amante Domitila de Castro, futura Marquesa de Santos. Escritor talentoso, Paulo Setúbal cria um clima de suspense, da vida aos personagens, desenha o estado psicológico da mulher, angustiada a espera do imperador;:

 "D. Domitila rumou para casa (...) Entrou (...) Não deu a volta à fechadura. No seu quarto, agitada e nervosa, arremessou sobre o canapé a larga saia de damasquilho (...) Borrifou- se de água de cheiro. Estendeu-se, cheia de abandono, entre os linhos e os almofadões da sua bela cama: de entalhe. Ali deixou-se ficar inquieta, opressa, com grande ânsia a lhe bailar nos olhos Os minutos começaram a escoar lentos, lentos. Grande silêncio em rude. E a filha de João de Castro, na sua cama, inquieta e opressa. E os minutos a escoarem. E D. Domitila cada vez mais inquieta e mais opressa.

De repente, na calçada, ecoam passos leves, abafados. Alguém empurra a porta. (...)
- Vossa Majestade! Pois Vossa Majestade veio mesmo?
D. Pedro tomou-lhe ardentemente as mãos. E ali, na alcova, colocando-lhe à boca um devorante, um sôfrego beijo:
-Vim...”
Suspense e erotismo: Paulo Setubal domina a fórmula para dar vida ao passado nacional, suaviza a História devolve a ela ‘tudo que seduz - a lenda, o fato curioso, a anedota interessante, o episódio novelesco". Por tudo isso, "foi a novela de TV da [sua] geração”’, conforme palavras de seus contemporâneos. Com os livros históricos, alcança a posição de escritor mais vendido do pais, ao lado de Monteiro Lobato.
Colabora com os jornais e revistas da época e passa a dedicar-se totalmente a literatura, abandonando a advocacia. Tem um curto mandato de deputado estadual. Em 1932, por ocasião da Revolução Constitucionalista, é ele quem faz o discurso de despedida aos soldados que partem da Estação da Luz.
Pouco depois é eleito para a Academia Paulista de Letras, e para a Academia Brasileira. Ao ser recepcionado nesta ultima, Alcântara Machado o defende das criticas de que fantasiava a Historia do Brasil; "Ensinais Historia contando historias. (...) O leitor se apressa em vos perdoar, pois tem ciência de que 0 vosso intuito não é enganado, mas distraí-lo".

Esta no apogeu da fama quando a tuberculose volta com forca total. Recolhido a casa, reconcilia-se com Deus e queima os originais de um livro prestes a ser editado. Escreve suas memórias. A morte, porém, o colhe antes de terminar 0 livro, aos 44 anos, em maio de l937.

Mas morre sem não antes beijar, com lagrimas, a tabua em que costumava escrever, sobre sua cadeira de lona de doente.

Espero, com este breve relate, que os Srs. possam compartilhar comigo dessa admiração pelo escritor e pelo homem Paulo Setubal, a quem fiz questão de manter como patrono, embora as normas clã Academia me permitissem tê-lo trocado.

Não trocá-lo foi também uma homenagem ao meu antecessor, que hoje nos honra com sua amável presença: Dr. Juversino Garcia de Oliveira. Foi ele o primeiro a ocupar esta Cadeira, isso ha 26 amos, quando se fundou nossa Academia. E foi ele, homem de refinada cultura, quem sabiamente escolheu Setubal como patrono.

Embora nunca tenha residido aqui, o Dr. Juversmo mantinha estreitos laços com nossa cidade: seu sogro foi o conhecido diretor de escola Prof. Francisco Martins Junior. Hoje, morando em São Paulo, 0 Dr. Juversino continua ligado 21 Academia, como membro correspondente.

Meu antecessor nasceu em Ipuã, comarca de São Joaquim da Barra, e logo deixou a cidade para estudar. Formou-se em Letras e Direito, tendo conciliado as duas carreiras. Foi professor de Português, em Campinas, Moji—Mirim, Pinhal e, posteriormente, São Paulo. Até hoje, no vigor dos seus 79 anos, continua a exercer a advocacia.

Pessoalmente, é um homem realizador Tem três filhos, todos bem colocados; professora universitária, diplomata, diretor de multinacional. “Esta casado em segundas núpcias com Dª Nilza, uma antiga colega dos bancos de ginásio.

O Dr. Juversino sempre esteve ligado ao mundo literário, embora 0 escasso tempo não lhe tenha permitido publicar nenhum livro. Tem artigos de critica literária e poemas, publicados em revistas e jornais das cidades onde viveu. E autor de primorosos sonetos, que tive a oportunidade de apreciar. E ainda charadista exímio; pertence ao Circulo Enigmistico Paulistano, tendo sido responsável , por longo tempo, pela seção de charadas do jornal “O Estado de São Paulo".

E eu, agora herdeira da tradição de meu patrono e de meu antecessor, espero, com 0 mesmo empenho que eles, colaborar neste trabalho de semear cultura e grandeza, dignificando a medalha que acabo de receber, onde leio estes dizeres: "Beudito o que semeia livros". Muito obrigada.

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