domingo, 1 de setembro de 2013

Pelos poderes de Hércules

Você conhece o Hércules? Ele toca com a Jazz Combo do Conservatório de Tatuí dia 10 de setembro, no Teatro Procópio Ferreira. Veja a história dele aqui: Seria apenas caso de superação se não fosse um detalhe: Hércules Gomes toca demais

Julio Maria - O Estado de S.Paulo

Assim que viu o filho único pela primeira vez no palco de um grande teatro, sozinho, à frente do piano, Dona Teresa assistiu a um filme da própria vida. Seu garoto estava lá, justificando o nome de alguém que poderia derrotar até os leões. Hercules deixava a plateia em silêncio com uma técnica que o permitia tocar forte sem fazer força, uma habilidade que deixava suas mãos levitarem sobre as teclas mesmo nos maiores arroubos emocionais.

Epitácio Pessoa/ Estadão - Músico lança o CD 'Pianismo'

Teresa viu primeiro sua criança crescendo na periferia de Vitória, Espírito Santo. Não havia sido fácil criá-la com o salário de costureira somado ao de pintor de carros do pai. Viu o menino saindo de casa, decidido a estudar música em São Paulo, e recordou os dias em que ele passara a viver em uma república de universidade só com os R$ 150 por mês que ela mandava. Hercules era o homenageado da noite. Sua presença era de honra, um recital na final de um concurso de instrumentistas, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, feito pelo jovem que havia vencido o mesmo festival um ano antes.

Ao narrar suas lembranças ao Estado, Hercules Gomes para quando fala da mãe. Cai em um choro incontrolável e pede desculpas. "Só ela sabe sobre cada um dos dias que vivi até aqui." Um rapaz de origem humilde, vencendo batalhas à frente de um piano, poderia ser exemplo de superação em busca de complacência não fosse um detalhe: Hercules é um ás, algo especial, resultante da fórmula técnica elevada à décima potência da emoção que independe da cor de sua pele. Depois de inspirar-se com a ideia que lhe vem à mente, talha e escreve cada nota em um processo de sangue, suor e repetições. Mesmo os solos que parecem improvisos são cuidadosamente definidos. Sua música, contudo, se comunica fácil e flui sem pedantismo.

Seu primeiro disco sai de um esforço quase solitário. Intitulado Pianismo, existe em parte graças ao programa de subsídio cultural do governo estadual, o Proac, que lhe destinou R$ 20 mil depois de aprovar seu projeto. "Mas tive de colocar dinheiro também", diz, sem especificar valores. É a primeira vez que reúne temas próprios em uma investida solo, depois de participar de formações em grupo. Hoje ele se apresenta na Universidade Estadual de Campinas, às 12h, e amanhã faz recital em uma loja de pianos, no Jabaquara (Av. Jabaquara, 162, 5572-9602). Basta um instrumento disponível para tê-lo como atração. Sua agenda peculiar inclui o Hospital Santa Catarina, o Conservatório de Tatuí e o Museu da Casa Brasileira.

Hercules carregou muito piano antes de sentar-se em um. Ao decidir prestar vestibular para cursar música na Unicamp, percebeu que não sabia 30% do que deveria saber. As greves do ensino em Vitória o fizeram sair do colégio sem preparo para encarar a concorrência. Para dar dois passos à frente, então, decidiu dar um atrás e deixou as partituras para estudar Física, Matemática e Língua Portuguesa o dia todo, todos os dias. Conseguiu uma das vagas e se mandou de Vitória para São Paulo, pronto para viver com R$ 150 que a mãe lhe mandava do Espírito Santo, mais R$ 35 de uma bolsa transporte e dos almoços de um bandejão. Chegava mais cedo e saía mais tarde das aulas para poder usar o piano da universidade, já que o instrumento de seu quarto atrapalhava o sono dos parceiros de república.

O sacrifício começou a fazer sentido quando Hercules caiu na sala do professor Silvio Barone. Silvio passou a doutrinar seu aluno, fazendo-o ouvir os grandes mestres. "Eu não acreditava que a mão humana fosse capaz de fazer aquilo", lembra Hercules. Oito meses depois, perderia o mestre e a vontade de ser pianista. Ao fazer uma prova aplicada aos professores para efetivá-los, Silvio fora reprovado. Indignados, Hercules e outros alunos compraram 100 metros de tecido preto e cobriram a fachada do prédio do Instituto de Artes da Unicamp, como protesto pela dispensa do professor.

O baque foi grande. Sem o mestre, Hercules perdeu o chão. Deixou o piano solo em segundo plano e seguiu tocando em grupos até que voltou a sentir a necessidade de deixar sair uma música que nem ele sabe ao certo de onde veio. Ou sabe. Veio talvez de quando tinha 8 anos, no dia em que o pai chegou em casa com um violão da Turma da Mônica. "É... Naquele dia eu queria mesmo era ganhar um autorama."

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