sábado, 30 de setembro de 2017

crônica / Ana Moraes

Os fios da vida

         Em um lugar composto por várias ilhas flutuantes sobre o mar, maternidade da cultura do Sol poente, palco de façanhas e guerras, existiam uma efervescência de crenças que se apagaram com a racionalização do mundo que descarteou a condição real dessas crenças e subjugaram-nas à condição mitológica.
         Dentre essas crenças, uma sobre três tecelãs que definiam em seu labor o destino e seu sabor. Eram as Três Moiras: Láquesis, Cloto e Átropos. A primeira dava início a linha; a segunda a torcia e moldava; e a terceira a findava. Assim, deleitavam-se simploriamente ao tecer fios de extensão vital.
         Mal sabem os racionais que essas três ainda habitam entre nós, metamorfoseadas para não espantarem a razão. Sob a nossa auréola, que nem todos têm, crescem os fios da vida sem parar, nem mesmo felicidade ou ferida há de os retardar. Inexoráveis em suas ações, crescem sem escrúpulos e direções. De variadas cores e formas texturais, em algum menos em outros mais.
Láquesis se transformou no nosso couro cabeludo. E para moldá-los, Cloto se esconde entre escovas e pentes, que torcem os nossos capilares pertences, dando forma e direção. E quando já grandes e extensos, costumamos ir ao Templo de Átropos, ou melhor, aos Templos de Átropos, banalizados, por qualquer lugar, no meio do deserto ou do mar, comum a todas as culturas e idades. São as barbearias e salões de cabeleireiro, muitas vezes lugares de simplicidades.
Átropos, incorporada pelas tesouras e aparadores, inicia seu trabalho. Sentamos em uma cadeira confortável e com uma capa de matizes régias, que nos cobrem para nos protegerem dos fios mortos que caem desfalecidos se misturando no chão com outros, de outros subtraídos. E tudo isso, todo esse fenômeno, aparentemente simples, assistido por nós, em frente a um espelho. Uma escultura sendo realizada em nossas cabeças, em detrimento dos fios da vida. Aqueles que passam o tempo a crescer, como uma marcação do tempo vital. Cada fio cortado, revela o avanço da vida, o caminhar para um resultado esperado e conhecido. O nosso único conhecimento absoluto sobre a vida. Os fios crescem e são cortados ciclicamente até o último corte que define a vida permanentemente.
As Três Moiras não deixaram de existir, apenas se metamorfosearam para poderem coexistir com a razão humana que não aceita mais “mitos” em seus pensamentos, só para entretenimentos. A realidade é que os mitos nunca perecem, em um beco ou frestinha reaparecem, para ensinar, dar lições de moral, fazer refletir mais, atormentar ou nos deixar em paz.
A.M.O.R.
(Ana Morais de Oliveira Rosa)

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